terça-feira, 6 de outubro de 2009

Tentando "reentender" a verdadeira liberdade

A liberdade é, sem dúvida alguma, um dos maiores privilégios que o ser humano pode ter. Seu modo de agir, de julgar, de pensar, ganham dimensões ainda maiores quando possuem o respaldo dessa prática. No caso da imprensa e de todos os meio difusores de informações, a alvedrio de expressão, manifestado através da famosa liberdade de imprensa, foi uma grande conquista e sua ausência gerou inúmero prejuízos em alguns períodos históricos.

Em meio a elogios sem precedentes à liberdade, é importante fazer uma ressalva: ela é essencial para a vida do homem, porém, não deve ser entendida como um fator que encerra em si mesmo. O conceito de “homem livre” remete a alguém que possui um poder de escolha e ação amplos, porém, ainda assim, estes poderes devem estar subordinados a alguns fatores que permita ao outro ser humano uma condição existencial inabalável por certos artifícios.

No dia 20 de setembro, um blog intitulado “Resenha em 6”, que se propõe a resenhar em seis linhas ou menos sobre todo tipo de produtos e serviços, publicou um texto que fazia duras críticas ao Boteco São Bento, bar localizado no bairro Vila Madalena, em São Paulo. Alguns dias após a publicação do post, Jonas Steinmayer postou um comentário alegando que algumas providências estariam sendo tomadas com relação ao blog. Após uma notificação extrajudicial dos advogados do bar, a publicação foi removida da página.

A proposta do blog “Resenha em, 6” não é muito diferente da tendência que se vê na era da modernidade (era das mentiras mais convincentes). Corresponde à idéia de manifestar uma opinião usando o menor espaço possível. A tecnologia segue essa tendência e as pessoas que partilham dessa diretriz devem ter consciência dos males que ela traz. Uma pessoa que tenha boa noção da prática argumentativa sabe que um texto tem muito mais chances de ser dotado de seriedade e embasamento quando se preocupa em explicar diversos pontos da questão, todas as suas ponderações e os ângulos de compreensão. Isso exige um texto longo. Qualquer proposta diferente disso corre o risco de ser impreciso ou irresponsável.

E esse é ponto. A liberdade e todas as suas variações (no caso em questão, a liberdade de expressão) devem vir acompanhadas da responsabilidade, para que a livre atitude não acabe se tornando um mero artifício com propósito de denegrir alguém ou, em alguns casos, conseguir uma autopromoção, prática muito comum nos dias de hoje. Não é difícil vermos pessoas que usam o conceito de livre-arbítrio para esconder uma liberdade artificial (como o nome sugere, repleta de artifícios) e que no fim das contas tem uma pretensão que vai muito além de simplesmente expressar uma opinião.

Isso não quer dizer que as pessoas não tenham o direito de dizer o que bem entendem. Até porque, qualquer pessoa que esteja profunda e unicamente preocupada em manifestar sua sincera opinião sobre algo, o faz primordialmente, carregando todo o peso que a responsabilidade exige e que é de fácil assimilação por qualquer indivíduo que respeite o valor de uma opinião. Reduzir uma argumentação a termos de baixo calão e com características apelativas que buscam a adesão de muitos, mostra que, sem dúvida, o autor do comentário queria bem mais do que expressar seu julgamento.

Para o âmbito judicial e obediência ao que está previsto em lei, a melhor atitude pode até ter sido a retirada do post. Porém, pra quem enxerga o problema com uma preocupação maior, pouca diferença faz se o conteúdo continua ou não. Seria ingenuidade acreditar que uma vez retirada a publicação, as pessoas aprenderiam a lição. Todo o meio tecnológico e os valores que o acompanham seguem a tendência de ser breve, ter o “dom” de explicar algo em pouco espaço, considerando quase que uma arte aquilo que, na maioria das vezes, carrega uma série de imprecisões e precipitações.

A circulação cada vez maior de informações e a possibilidade de qualquer pessoa expor uma opinião pessoal em níveis de discussão nacionais ou mundiais, acabou levando à banalização da liberdade. Com isso, esta deixou de ser um direito e se tornou um pretexto para outros fins, que, alimentados por certos preconceitos e imaturidades, acabam gerando atitudes que muitas vezes estão implícitas na consciência do indivíduo e fogem ao seu controle.

Vale lembrar que para o modelo de liberdade ideal se realizar plenamente, é necessário que todas as partes estejam conscientes do que ele significa. A publicação foi retirada somente pelas ofensas que contém ou pretende esconder uma realidade? Por mais que a manifestação da opinião possa não ter sido em seu todo verdadeira, ela contém certo senso de verdade que não pode ser desprezado. Se o autor do post tivesse tido a preocupação de exprimir suas impressões de maneira adequada e séria, teria mais chances de receber uma atitude mais sensata da parte do proprietário do estabelecimento e, quem sabe, a questão poderia receber uma solução.

Logo se vê que o argumento da liberdade de expressão, da forma como tem sido tratado por alguns propagadores de informações, tem servido pra uma guerra entre alguns setores, fazendo com que o receptor do conteúdo é quem fique sem liberdade para entender uma situação e os pormenores que ela esconde. Isso inevitavelmente impede que muitas questões sejam resolvidas e a ação humana perde muito de sua força. Não podemos deixar que a livre e intensa circulação de informações de nossa época se esqueça dos fatores intrínsecos da liberdade.